LEI Nº 9.807, DE 13 DE JULHO DE 1999.
Estabelece normas para a organização e a manutenção de programas
especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, institui o Programa
Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas e dispõe sobre a
proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva
colaboração à investigação policial e ao processo criminal.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional
decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DA PROTEÇÃO ESPECIAL A VÍTIMAS E A TESTEMUNHAS
Artigo. 1o As medidas de proteção requeridas por
vítimas ou por testemunhas de crimes que estejam coagidas ou expostas a grave
ameaça em razão de colaborarem com a investigação ou processo criminal serão
prestadas pela União, pelos Estados e pelo Distrito Federal, no âmbito das
respectivas competências, na forma de programas especiais organizados com base
nas disposições desta Lei.
§ 1o A União, os Estados e o Distrito
Federal poderão celebrar convênios, acordos, ajustes ou termos de parceria
entre si ou com entidades não-governamentais objetivando a realização dos
programas.
§ 2o A supervisão e a fiscalização dos
convênios, acordos, ajustes e termos de parceria de interesse da União ficarão
a cargo do órgão do Ministério da Justiça com atribuições para a execução da
política de direitos humanos.
Artigo. 2o A proteção concedida pelos programas e as
medidas dela decorrentes levarão em conta a gravidade da coação ou da ameaça à
integridade física ou psicológica, a dificuldade de preveni-las ou reprimi-las
pelos meios convencionais e a sua importância para a produção da prova.
§ 1o A proteção poderá ser dirigida ou
estendida ao cônjuge ou companheiro, ascendentes, descendentes e dependentes
que tenham convivência habitual com a vítima ou testemunha, conforme o
especificamente necessário em cada caso.
§ 2o Estão excluídos da proteção os
indivíduos cuja personalidade ou conduta seja incompatível com as restrições de
comportamento exigidas pelo programa, os condenados que estejam cumprindo pena
e os indiciados ou acusados sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades.
Tal exclusão não trará prejuízo a eventual prestação de medidas de preservação
da integridade física desses indivíduos por parte dos
órgãos de segurança pública.
§ 3o O ingresso no programa, as restrições
de segurança e demais medidas por ele adotadas terão sempre a anuência da
pessoa protegida, ou de seu representante legal.
§ 4o Após ingressar no programa, o
protegido ficará obrigado ao cumprimento das normas por ele prescritas.
§ 5o As medidas e providências relacionadas
com os programas serão adotadas, executadas e mantidas em sigilo pelos
protegidos e pelos agentes envolvidos em sua execução.
Artigo. 3o Toda admissão no programa ou exclusão
dele será precedida de consulta ao Ministério Público sobre o disposto no art.
2o e deverá ser
subseqüentemente comunicada à autoridade policial ou ao juiz competente.
Artigo. 4o Cada programa será dirigido por um
conselho deliberativo em cuja composição haverá representantes do Ministério
Público, do Poder Judiciário e de órgãos públicos e privados relacionados com a
segurança pública e a defesa dos direitos humanos.
§ 1o A execução das atividades necessárias
ao programa ficará a cargo de um dos órgãos representados no conselho
deliberativo, devendo os agentes dela incumbidos ter formação e capacitação
profissional compatíveis com suas tarefas.
§ 2o Os órgãos policiais prestarão a
colaboração e o apoio necessários à execução de cada programa.
Artigo. 5o A solicitação objetivando ingresso no
programa poderá ser encaminhada ao órgão executor:
I -
pelo interessado;
II -
por representante do Ministério Público;
III -
pela autoridade policial que conduz a investigação criminal;
V -
por órgãos públicos e entidades com atribuições de defesa dos direitos humanos.
§ 1o A solicitação será instruída com a
qualificação da pessoa a ser protegida e com informações sobre a sua vida
pregressa, o fato delituoso e a coação ou ameaça que a motiva.
§ 2o Para fins de instrução do pedido, o
órgão executor poderá solicitar, com a aquiescência do interessado:
I -
documentos ou informações comprobatórios de sua identidade, estado civil,
situação profissional, patrimônio e grau de instrução, e da pendência de
obrigações civis, administrativas, fiscais, financeiras ou penais;
II -
exames ou pareceres técnicos sobre a sua personalidade, estado físico ou
psicológico.
§ 3o Em caso de urgência e levando em
consideração a procedência, gravidade e a iminência da coação ou ameaça, a
vítima ou testemunha poderá ser colocada provisoriamente sob a custódia de
órgão policial, pelo órgão executor, no aguardo de decisão do conselho
deliberativo, com comunicação imediata a seus membros e ao Ministério Público.
Artigo. 6o O conselho deliberativo decidirá sobre:
I - o
ingresso do protegido no programa ou a sua exclusão;
II -
as providências necessárias ao cumprimento do programa.
Parágrafo único. As deliberações do conselho serão
tomadas por maioria absoluta de seus membros e sua execução ficará sujeita à
disponibilidade orçamentária.
Artigo. 7o Os programas compreendem, dentre outras,
as seguintes medidas, aplicáveis isolada ou cumulativamente em benefício da
pessoa protegida, segundo a gravidade e as circunstâncias de cada caso:
I -
segurança na residência, incluindo o controle de telecomunicações;
II -
escolta e segurança nos deslocamentos da residência, inclusive para fins de
trabalho ou para a prestação de depoimentos;
III -
transferência de residência ou acomodação provisória em local compatível com a
proteção;
IV -
preservação da identidade, imagem e dados pessoais;
V -
ajuda financeira mensal para prover as despesas necessárias à subsistência
individual ou familiar, no caso de a pessoa protegida estar impossibilitada de
desenvolver trabalho regular ou de inexistência de qualquer fonte de renda;
VI -
suspensão temporária das atividades funcionais, sem prejuízo dos respectivos
vencimentos ou vantagens, quando servidor público ou militar;
VII -
apoio e assistência social, médica e psicológica;
VIII
- sigilo em relação aos atos praticados em virtude da proteção concedida;
IX -
apoio do órgão executor do programa para o cumprimento de obrigações civis e
administrativas que exijam o comparecimento pessoal.
Parágrafo único. A ajuda financeira mensal terá um teto
fixado pelo conselho deliberativo no início de cada exercício
financeiro.
Artigo. 8o Quando entender necessário, poderá o
conselho deliberativo solicitar ao Ministério Público que requeira ao juiz a
concessão de medidas cautelares direta ou indiretamente relacionadas com a
eficácia da proteção.
Artigo. 9o Em casos excepcionais e considerando as
características e gravidade da coação ou ameaça, poderá o conselho deliberativo
encaminhar requerimento da pessoa protegida ao juiz competente para registros
públicos objetivando a alteração de nome completo.
§ 1o A alteração de nome completo poderá
estender-se às pessoas mencionadas no § 1o do art. 2o desta Lei, inclusive aos filhos
menores, e será precedida das providências necessárias ao resguardo de direitos
de terceiros.
§ 2o O requerimento será sempre
fundamentado e o juiz ouvirá previamente o Ministério Público, determinando, em
seguida, que o procedimento tenha rito sumaríssimo e corra em segredo de
justiça.
§ 3o Concedida a alteração pretendida, o
juiz determinará na sentença, observando o sigilo indispensável à proteção do
interessado:
I - a
averbação no registro original de nascimento da menção de que houve alteração
de nome completo em conformidade com o estabelecido nesta Lei, com expressa
referência à sentença autorizatória e ao juiz que a exarou e sem a aposição do
nome alterado;
II -
a determinação aos órgãos competentes para o fornecimento dos documentos
decorrentes da alteração;
III -
a remessa da sentença ao órgão nacional competente para o registro único de
identificação civil, cujo procedimento obedecerá às necessárias restrições de
sigilo.
§ 4o O conselho deliberativo, resguardado o
sigilo das informações, manterá controle sobre a localização do protegido cujo
nome tenha sido alterado.
§ 5o Cessada a coação ou ameaça que deu
causa à alteração, ficará facultado ao protegido solicitar ao juiz competente o
retorno à situação anterior, com a alteração para o nome original, em petição
que será encaminhada pelo conselho deliberativo e terá manifestação prévia do
Ministério Público.
Artigo. 10. A exclusão da pessoa protegida de programa de
proteção a vítimas e a testemunhas poderá ocorrer a qualquer
tempo:
I -
por solicitação do próprio interessado;
II -
por decisão do conselho deliberativo, em conseqüência de:
a) cessação dos motivos que ensejaram a proteção;
b) conduta incompatível do protegido.
Artigo. 11. A proteção oferecida pelo programa terá a duração
máxima de dois anos.
Parágrafo único. Em circunstâncias excepcionais,
perdurando os motivos que autorizam a admissão, a permanência poderá ser
prorrogada.
Artigo. 12. Fica instituído, no âmbito do órgão do
Ministério da Justiça com atribuições para a execução da política de direitos
humanos, o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas,
a ser regulamentado por decreto do Poder Executivo.
CAPÍTULO II
DA PROTEÇÃO AOS RÉUS COLABORADORES
Artigo. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a
requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da
punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e
voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa
colaboração tenha resultado:
I - a
identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;
II -
a localização da vítima com a sua integridade física preservada;
III -
a recuperação total ou parcial do produto do crime.
Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará
em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade
e repercussão social do fato criminoso.
Artigo. 14. O indiciado ou acusado que colaborar
voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na
identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da
vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso
de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.
Artigo. 15. Serão aplicadas em benefício do
colaborador, na prisão ou fora dela, medidas especiais de segurança e proteção
a sua integridade física, considerando ameaça ou coação eventual ou efetiva.
§ 1o Estando sob prisão temporária,
preventiva ou em decorrência de flagrante delito, o colaborador será custodiado
em dependência separada dos demais presos.
§ 2o Durante a instrução criminal, poderá o
juiz competente determinar em favor do colaborador qualquer das medidas
previstas no art. 8o desta
Lei.
§ 3o No caso de cumprimento da pena em
regime fechado, poderá o juiz criminal determinar medidas especiais que
proporcionem a segurança do colaborador em relação aos demais apenados.
DISPOSIÇÕES GERAIS
Artigo. 16. O art.
57 da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, fica
acrescido do seguinte § 7o:
"§
7o Quando a alteração
de nome for concedida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente de
colaboração com a apuração de crime, o juiz competente determinará que haja a
averbação no registro de origem de menção da existência de sentença concessiva
da alteração, sem a averbação do nome alterado, que somente poderá ser
procedida mediante determinação posterior, que levará em consideração a
cessação da coação ou ameaça que deu causa à alteração."
Artigo. 17. O parágrafo
único do art. 58 da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, com a
redação dada pela Lei no 9.708,
de 18 de novembro de 1998, passa a ter a seguinte redação:
"Parágrafo
único. A substituição do prenome será ainda admitida em razão de fundada coação
ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, por determinação,
em sentença, de juiz competente, ouvido o Ministério Público." (NR)
Artigo. 18. O art. 18 da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, passa a
ter a seguinte redação:
"Art.
18. Ressalvado o disposto nos arts. 45, 57, § 7o, e 95, parágrafo
único, a certidão será lavrada independentemente de despacho judicial, devendo
mencionar o livro de registro ou o documento arquivado no cartório." (NR)
Artigo. 19. A União poderá utilizar estabelecimentos
especialmente destinados ao cumprimento de pena de condenados que tenham prévia
e voluntariamente prestado a colaboração de que trata esta
Lei.
Parágrafo único. Para fins de utilização desses
estabelecimentos, poderá a União celebrar convênios com os Estados e o Distrito
Federal.
Artigo. 19-A. Terão prioridade na tramitação o
inquérito e o processo criminal em que figure indiciado, acusado, vítima ou réu
colaboradores, vítima ou testemunha protegidas pelos programas de que trata
esta Lei.
Parágrafo único. Qualquer que seja o rito
processual criminal, o juiz, após a citação, tomará antecipadamente o
depoimento das pessoas incluídas nos programas de proteção previstos nesta Lei,
devendo justificar a eventual impossibilidade de fazê-lo no caso concreto ou o
possível prejuízo que a oitiva antecipada traria para a instrução criminal.
Artigo. 20. As despesas decorrentes da aplicação
desta Lei, pela União, correrão à conta de dotação consignada no orçamento.
Artigo. 21. Esta Lei entra em vigor na data de sua
publicação.
Brasília, 13 de julho de 1999.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Renan Calheiros
Renan Calheiros
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